sábado, 3 de janeiro de 2009

É preciso distinguir os maus dos bons exemplos; ou quando um historiador é claro e obscurantista ao mesmo tempo

O historiador José Murilo de Carvalho em entrevista ao Estadão diz que o país ainda não materializou a cultura Republicana. Para exemplificar o que diz, ele mostra que o termo Republicano é empregado para designar ações que não tem o caráter republicando. A palavra é empregada, muitas vezes, num sentido oposto ao significado do termo, que inspira a virtude cívica, a elevação do coletivo. "O conceito de República usado dentro do PT parece ter uma conotação distinta da do republicanismo como bom governo. República no sentido de coisa pública, bom governo, eficiência, transparência, igualdade perante a lei não é exatamente o que prega e faz o governo", diz citando a prática do mensalão e o corporativismo sindical. Entretanto, o mesmo historiador que ajuda a esclarecer o que é e não é republicanismo, contribui para a confusão, para o obscurantismo.

Vejam, acima o entrevistado do Estadão dá um exemplo da prática antirrepublicana que é embalada para venda num discurso republicanista. Agora reparem esse outro exemplo que ele usa: "Garantir direitos iguais a todos os acusados é republicano, mas também o é garantir punição igual para todos. A reação contra algemar poderosos é aristocrática, não republicana, típica de nossa sociedade hierarquizada", referindo-se ao fato de Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ter invocado o pacto "republicano" contra abusos de autoridade.

Bem, o historiador está dizendo que não basta garantir DIREITOS IGUAIS A TODOS?, para ser republicano tem que TAMBÉM GARANTIR PUNIÇÃO IGUAL PARA TODOS?. Absurdo, Absurdo!!! Está errado, amigo!!!, o Estado Democrático de Direito tem que garantir exatamente isso: direitos iguais; punição garante os Estados autoritários, e como ele quer a todos. Ao certo, ele prefere que todos continuassem a ser punidos com algemas ilegais, não é? Quer dizer, se o pobre coitado é algemado ilegalmente, o rico também tem que ser, na sua visão de "garantir punição igual para todos". Bem, Sr. José Murilo de Carvalho, esse é precisamente o sonho “republicano” do PT: socializar a punição a todos - Um Estado onde todos teriam o direito de ficarem calados, o Sr. sabe do que falo, né? Então Sr. Murilo, não é melhor garantir que todos não sejam algemados ilegalmente, por exemplo? E mais: justiça não é para aplicar penas, mas para julgar.

Assim, se quisermos acelerar o aculturamento republicano-democrático temos que aprender a distinguir os maus dos bons exemplos. Censurando os maus e valorizando os bons exemplos. "Ah, você está dizendo que Gilmar Mendes dá um bom exemplo e o PT o mau?" Sim, estou! E para defender o exemplo meritório não preciso recorrer a nenhum argumento subjetivo é só falar de resultados positivos: como o fim das ações espetaculosas da PF; declínio no número de escutas telefônicas; o fato da ABIN não participar mais de ações ilegais com a PF, como a que resultou na queda de Paulo Lacerda.

Enfim, apesar desse reparo, a entrevista, do historiador José Murilo de Carvalho, merece ser lida. Não por ele ser autor do best-seller sobre o imperador D. Pedro II, mas porque ele diz também coisas boas. A seguir a entrevista (feita por Alexandre Rodrigues):

MAU USO
"Os temas centrais da campanha de Lula tinham e têm a ver com o social, que não é necessariamente uma característica do republicanismo, nem mesmo da democracia em seu sentido liberal. Quem começou a usar o termo foi o ministro da Justiça, Tarso Genro. O conceito de República usado dentro do PT parece ter uma conotação distinta da do republicanismo como bom governo. República no sentido de coisa pública, bom governo, eficiência, transparência, igualdade perante a lei não é exatamente o que prega e faz o governo. O mensalão é totalmente antirrepublicano. O corporativismo sindical também não é republicano. A política social pode ser defensável, mas não em termos de republicanismo. A inclusão via políticas sociais pode ter ingredientes paternalista e populista e é necessariamente discriminatória. Nada disso é republicano. Melhor seria, para evitar confusão conceitual, que se chamasse a tal visão política de democracia social, ou de socialismo, não de republicanismo."
MENDES E PACTO REPUBLICANO
"Garantir direitos iguais a todos os acusados é republicano, mas também o é garantir punição igual para todos. A reação contra algemar poderosos é aristocrática, não republicana, típica de nossa sociedade hierarquizada. Temos uma cultura profundamente não igualitária, não republicana. É nossa tradição. Essa visão nepotista, paternalista, privatista do Estado permanece até hoje. Então realmente não há cultura republicana no País. E, obviamente, ela não foi incentivada neste governo, que tem seus méritos, mas certamente deixa a palavra ?republicano? vazia nesse contexto."
PRISÃO ESPECIAL
"A melhor maneira, talvez a única, de tornar os presídios no Brasil decentes e humanos seria acabar com esse privilégio. No dia em que pessoas das classes alta e média estiverem sujeitas à prisão comum, haverá enorme pressão para melhorar as condições dos presídios. Seria uma pequena revolução."
TRANSGRESSÃO
"Há uma cultura generalizada da transgressão que afeta todas as classes sociais, de alto a baixo. Furtam o político, o empresário, o juiz, de um lado; furtam, do outro, o profissional liberal, o policial, o trabalhador informal. Furta até mesmo, como agora em Santa Catarina, o soldado do Exército e o flagelado pelas enchentes. Tal cultura tem a ver com valores e instituições. O valor republicano de respeito à lei e à coisa pública não existe."
DEMOCRACIA
"Vamos chegar lá, mas bota meio século aí. Se nos compararmos com outros países, veremos que 20 anos não é nada. O fato de termos mantido as liberdades de imprensa e de organização é muito positivo. Os escândalos são discutidos, ONGs lutam pela transparência das contas públicas e a abertura da caixa preta do Estado. Tudo isso conta. Mas boa parte de nossa população ainda vive no mundo da necessidade. Para quem precisa colocar comida na mesa, democracia e república são luxo."
CONGRESSO
"Uma das piores características de nossa república é a total falência do Congresso. O Executivo sempre teve papel preponderante. O Judiciário sempre foi o Poder menos afirmativo, mas agora entrou no vácuo aberto por um Legislativo submisso ao Executivo e estigmatizado por reiterados escândalos."
ALTERNÂNCIA NO PODER
"Não há como não ver nisso um avanço. E faço aqui um elogio a Lula. No começo de 2008, ele pareceu tentado a embarcar na aventura do terceiro mandato. Posteriormente, parece ter desistido da ideia, crédito que lhe deve ser dado."
(Só para registro: Calma... ainda: é cedo para esse elogio)

Um comentário:

Anônimo disse...

Também acho que Lula não desistiu do 3º mandato, basta ver a insistência com Dona Dilma. Não precisa ser especialista em marketing político para ver a falta de carisma e de empatia com a população, e a recíproca é verdaeira. Um exemplo é que fomos saber que ela tinha dentes há uns 3 meses atrás, antes, nunca antes na história deste país alguém havia visto ele sorrindo. Pode até ser uma boa administradora, ainda a provar até com o PAC, mas um 'ser político' não é mesmo. Lula também sabe disto, afinal é só o que ele faz há quase 40 anos. Se insiste no nome da Dona Dilma deve ter uma 'boa' razão, pela qual a nossa humilde leitura não captou, ainda.