Post retirado na sua integra do blog do jornalista Reinaldo Azevedo, Veja - inclusive os comentários finais:
Já cheguei a pensar, admito, que a melhor Lei de Imprensa era lei de imprensa nenhuma. Os aspectos autoritários da legislação herdada da ditadura tendiam a contaminar o debate. Hoje, depois de pensar com mais vagar, acredito que a sua simples extinção pode ser ruim para o jornalismo, para a sociedade, para o jornalista e para as empresas. As razões estão expostas num editorial da Folha, publicado hoje (ver abaixo). Afinal, ruim não era haver uma lei de imprensa, mas aquela Lei de Imprensa, com dispositivos forjados para proteger um regime ditatorial, com a estupidez característica. A íntegra da lei está aqui. Os artigos ou trechos suspensos estão aqui.
Com efeito, entre os anacronismos incompatíveis com a Constituição de 1988, há a censura a espetáculos e cana para jornalistas — isto mesmo: cadeia. E, claro, no embate com a imprensa, o privilégio é da "otoridade". Vejam:
Art. 20. Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato do como crime:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, e multa de 1 (um) a 20 (vinte) salários mínimos da região.
§ 1.°. Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa imputação, reproduz a publicação ou transmissão caluniosa.
§ 2.°. Admite-se a prova da verdade, salvo se do crime imputado, embora de ação pública, o ofendido foi absolvido por sentença irrecorrível.
§ 3.°. Não se admite a prova da verdade contra o Presidente da República, o presidente do Senado Federal, o presidente da Câmara dos Deputados. os ministros do Supremo Tribunal federal, chefes de Estado ou de Governo estrangeiro, ou seus representantes diplomáticos.
Art. 21. Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:
Pena - detenção, de 3 (três) a 18 (dezoito) meses, e multa de 2 (dois) a 10 (dez) salários mínimos da região.
§ 1ª A exceção da verdade somente se admite:a) se o crime é cometido contra funcionário público, e razão das funções, ou contra órgão ou entidade que exerça funções de autoridade pública;b) se o ofendido permite a prova.
§ 2ª Constitui crime de difamação a publicação ou transmissão, salvo se motivada por interesse público , de fato delituoso, se o ofendido já tiver cumprido pena a que tenha sido condenado em virtude dele.
Art. 22. Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou decoro:
Pena - detenção, de 1 (um) mês a 1 (um) ano, ou multa de 1 (um) a 10 (dez) salários mínimos da região.
Art. 23. As penas cominadas dos arts. 20 a 22 aumentam-se de um terço, se qualquer dos crimes é cometido:
I - contra o Presidente da República, Presidente do Senado, presidente da Câmara dos Deputados, Ministro do Supremo Tribunal Federal, Chefe de Estado ou Governo estrangeiro, ou seus representantes diplomáticos;
II - contra funcionário público, em razão de suas funções;
III - contra órgão ou autoridade que exerça função de autoridade pública.
Ocorre que, eliminados aqueles artigos servis à ditadura, a lei protege os interesses da sociedade. Leiam o editorial de hoje da Folha. Volto em seguida:
*
Dois julgamentos relacionados com o direito à informação ocupam a pauta de hoje do Supremo Tribunal Federal. A corte pretende avaliar a validade de dispositivos implantados na ditadura militar: a Lei de Imprensa, de 1967, e a exigência de diploma em jornalismo para a prática da profissão, de 1969.
Quanto a esta última ação, a Justiça tarda a reconhecer o caráter livre da profissão de jornalista numa democracia. A obrigatoriedade do diploma afronta a liberdade de expressão, diminui a oferta de informação de qualidade e se reveste de anacronismo na era da internet, quando todos têm a oportunidade de apurar e publicar notícias.
O julgamento da Lei de Imprensa, por seu turno, apresenta maior grau de complexidade.
Em fevereiro de 2008, o ministro Carlos Ayres Britto atendeu em parte a pedido do PDT pela suspensão liminar da lei de 1967, por alegada colisão com a ordem democrática. O magistrado sustou 20 dos 77 artigos da Lei de Imprensa e dedicou-se a produzir o relatório sobre o mérito da ação, ponto de partida do julgamento marcado para esta tarde.
Espera-se que a cautela inicial do ministro prevaleça no plenário. Ayres Britto anulou apenas os dispositivos arbitrários e inconstitucionais do texto de 1967. Manteve de pé o núcleo vivo da legislação, que, sem ameaçar direitos fundamentais, continua a propiciar segurança jurídica a cidadãos, empresas e jornalistas.
Se o pleito do PDT for acatado totalmente, ficarão expostos à incerteza jurídica aspectos cruciais como o direito de resposta, pelo qual a pessoa ofendida pleiteia a publicação de sua versão dos fatos. A lei de 1967 ainda atende a essa demanda.
Na falta de regra específica, restaria a aplicação dos códigos Civil e Penal, que podem ameaçar o direito à informação. A lei comum tende a dar proteção absoluta a valores como honra, privacidade e intimidade. Se for aplicada ao pé da letra, permite a censura prévia e a imposição de duras penas de prisão contra autores de ofensas veiculadas na mídia.
Nesse quadro, uma legislação de imprensa é necessária para reforçar a hierarquia que a Constituição estabelece entre o direito à informação, de um lado, e os direitos ligados à personalidade, do outro. Sendo todos garantias fundamentais, o primeiro tende a prevalecer sobre os segundos. Em contrapartida, os abusos cometidos pela imprensa conferem à parte ofendida o direito a reparação pecuniária.
Decerto os dispositivos que restam da lei de 1967 não são os ideais para uma democracia do século 21. O trâmite do direito de resposta, por exemplo, precisa ser rápido, a fim de resguardar o direito de pessoas ofendidas.
Esta, contudo, é uma tarefa do Congresso. Do STF se espera que mantenha a parte viva da lei.
Comento
O editorial está essencialmente correto. Se tenho alguma preocupação, ela se refere à penúltima frase do texto. Temo ver a liberdade de imprensa sendo regulada por quem não gosta muito da imprensa. Não são poucas as vozes que acham que esses jornalistas “atrapalham”.
Senhores ministros do Supremo, no interesse da sociedade e da liberdade de expressão, creio que convém confirmar a eliminação daqueles artigos incompatíveis com a democracia e deixar o resto como está. O que sobra serve para fortalecer a liberdade, não o contrário.
Diploma
Quanto à questão do diploma, já me expressei aqui dezenas de vezes. Sou contra a obrigatoriedade, embora seja um diplomado. Meus defeitos e minhas virtudes não têm nada a ver com isso. Ponto. E não me venham falar de diploma de engenheiro, médico etc. Há profissões que implicam risco à segurança individual e coletiva. Não é o caso do jornalismo.
Os males que um jornalista pode causar a terceiros independem de diploma. De fato, dada a sua coleção de taras ideológicas (com as exceções de sempre), acho que as faculdades atrapalham.
Já cheguei a pensar, admito, que a melhor Lei de Imprensa era lei de imprensa nenhuma. Os aspectos autoritários da legislação herdada da ditadura tendiam a contaminar o debate. Hoje, depois de pensar com mais vagar, acredito que a sua simples extinção pode ser ruim para o jornalismo, para a sociedade, para o jornalista e para as empresas. As razões estão expostas num editorial da Folha, publicado hoje (ver abaixo). Afinal, ruim não era haver uma lei de imprensa, mas aquela Lei de Imprensa, com dispositivos forjados para proteger um regime ditatorial, com a estupidez característica. A íntegra da lei está aqui. Os artigos ou trechos suspensos estão aqui.
Com efeito, entre os anacronismos incompatíveis com a Constituição de 1988, há a censura a espetáculos e cana para jornalistas — isto mesmo: cadeia. E, claro, no embate com a imprensa, o privilégio é da "otoridade". Vejam:
Art. 20. Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato do como crime:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, e multa de 1 (um) a 20 (vinte) salários mínimos da região.
§ 1.°. Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa imputação, reproduz a publicação ou transmissão caluniosa.
§ 2.°. Admite-se a prova da verdade, salvo se do crime imputado, embora de ação pública, o ofendido foi absolvido por sentença irrecorrível.
§ 3.°. Não se admite a prova da verdade contra o Presidente da República, o presidente do Senado Federal, o presidente da Câmara dos Deputados. os ministros do Supremo Tribunal federal, chefes de Estado ou de Governo estrangeiro, ou seus representantes diplomáticos.
Art. 21. Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:
Pena - detenção, de 3 (três) a 18 (dezoito) meses, e multa de 2 (dois) a 10 (dez) salários mínimos da região.
§ 1ª A exceção da verdade somente se admite:a) se o crime é cometido contra funcionário público, e razão das funções, ou contra órgão ou entidade que exerça funções de autoridade pública;b) se o ofendido permite a prova.
§ 2ª Constitui crime de difamação a publicação ou transmissão, salvo se motivada por interesse público , de fato delituoso, se o ofendido já tiver cumprido pena a que tenha sido condenado em virtude dele.
Art. 22. Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou decoro:
Pena - detenção, de 1 (um) mês a 1 (um) ano, ou multa de 1 (um) a 10 (dez) salários mínimos da região.
Art. 23. As penas cominadas dos arts. 20 a 22 aumentam-se de um terço, se qualquer dos crimes é cometido:
I - contra o Presidente da República, Presidente do Senado, presidente da Câmara dos Deputados, Ministro do Supremo Tribunal Federal, Chefe de Estado ou Governo estrangeiro, ou seus representantes diplomáticos;
II - contra funcionário público, em razão de suas funções;
III - contra órgão ou autoridade que exerça função de autoridade pública.
Ocorre que, eliminados aqueles artigos servis à ditadura, a lei protege os interesses da sociedade. Leiam o editorial de hoje da Folha. Volto em seguida:
*
Dois julgamentos relacionados com o direito à informação ocupam a pauta de hoje do Supremo Tribunal Federal. A corte pretende avaliar a validade de dispositivos implantados na ditadura militar: a Lei de Imprensa, de 1967, e a exigência de diploma em jornalismo para a prática da profissão, de 1969.
Quanto a esta última ação, a Justiça tarda a reconhecer o caráter livre da profissão de jornalista numa democracia. A obrigatoriedade do diploma afronta a liberdade de expressão, diminui a oferta de informação de qualidade e se reveste de anacronismo na era da internet, quando todos têm a oportunidade de apurar e publicar notícias.
O julgamento da Lei de Imprensa, por seu turno, apresenta maior grau de complexidade.
Em fevereiro de 2008, o ministro Carlos Ayres Britto atendeu em parte a pedido do PDT pela suspensão liminar da lei de 1967, por alegada colisão com a ordem democrática. O magistrado sustou 20 dos 77 artigos da Lei de Imprensa e dedicou-se a produzir o relatório sobre o mérito da ação, ponto de partida do julgamento marcado para esta tarde.
Espera-se que a cautela inicial do ministro prevaleça no plenário. Ayres Britto anulou apenas os dispositivos arbitrários e inconstitucionais do texto de 1967. Manteve de pé o núcleo vivo da legislação, que, sem ameaçar direitos fundamentais, continua a propiciar segurança jurídica a cidadãos, empresas e jornalistas.
Se o pleito do PDT for acatado totalmente, ficarão expostos à incerteza jurídica aspectos cruciais como o direito de resposta, pelo qual a pessoa ofendida pleiteia a publicação de sua versão dos fatos. A lei de 1967 ainda atende a essa demanda.
Na falta de regra específica, restaria a aplicação dos códigos Civil e Penal, que podem ameaçar o direito à informação. A lei comum tende a dar proteção absoluta a valores como honra, privacidade e intimidade. Se for aplicada ao pé da letra, permite a censura prévia e a imposição de duras penas de prisão contra autores de ofensas veiculadas na mídia.
Nesse quadro, uma legislação de imprensa é necessária para reforçar a hierarquia que a Constituição estabelece entre o direito à informação, de um lado, e os direitos ligados à personalidade, do outro. Sendo todos garantias fundamentais, o primeiro tende a prevalecer sobre os segundos. Em contrapartida, os abusos cometidos pela imprensa conferem à parte ofendida o direito a reparação pecuniária.
Decerto os dispositivos que restam da lei de 1967 não são os ideais para uma democracia do século 21. O trâmite do direito de resposta, por exemplo, precisa ser rápido, a fim de resguardar o direito de pessoas ofendidas.
Esta, contudo, é uma tarefa do Congresso. Do STF se espera que mantenha a parte viva da lei.
Comento
O editorial está essencialmente correto. Se tenho alguma preocupação, ela se refere à penúltima frase do texto. Temo ver a liberdade de imprensa sendo regulada por quem não gosta muito da imprensa. Não são poucas as vozes que acham que esses jornalistas “atrapalham”.
Senhores ministros do Supremo, no interesse da sociedade e da liberdade de expressão, creio que convém confirmar a eliminação daqueles artigos incompatíveis com a democracia e deixar o resto como está. O que sobra serve para fortalecer a liberdade, não o contrário.
Diploma
Quanto à questão do diploma, já me expressei aqui dezenas de vezes. Sou contra a obrigatoriedade, embora seja um diplomado. Meus defeitos e minhas virtudes não têm nada a ver com isso. Ponto. E não me venham falar de diploma de engenheiro, médico etc. Há profissões que implicam risco à segurança individual e coletiva. Não é o caso do jornalismo.
Os males que um jornalista pode causar a terceiros independem de diploma. De fato, dada a sua coleção de taras ideológicas (com as exceções de sempre), acho que as faculdades atrapalham.
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