“Minas é minha causa, minha casa, meu chão. Minas é minha pátria”. O rasgo patriótico, em nome da pátria de Minas, é de Aécio Neves, governador de Estado, na solenidade de inauguração da Cidade Administrativa Presidente Tancredo Neves. Quem recorre a esse coquetel retórico, que junta gradação, metáfora, metonímia e uma forma de hipérbole, está esperando uma reação da massa — uma seleta massa de três mil convidadíssimos. E ela reagiu ao estímulo gritando o que se esperava que gritasse: “Aécio presidente”. José Serra, que será o candidato do PSDB à Presidência, estava ali do lado. Certa imprensa terá com que se divertir.
A retórica já foi parte importante da política. Com o tempo, foi cedendo um tanto de espaço ao rigor técnico. Mas ainda conserva o seu charme. Considerada a fala em seu sentido referencial, deveríamos considerar que o projeto era ter Minas governando o Brasil. Numa federação, isso não faz muito sentido, não é? Quem estaria hoje no poder? São Paulo, base original de Lula, ou Pernambuco, sua terra natal? Querem alguns que este estado caminha para 16 anos de poder, considerando os oito anteriores, de FHC, carioca de nascimento. Será mesmo? No período, a participação de São Paulo no PIB nacional caiu.
O poeta português Fernando Pessoa (na verdade, o heterônimo Bernardo Soares) escreveu: “Minha pátria é a língua portuguesa”. Pouco se lhe dava, dizia, que invadissem Portugal. O que realmente odiava “com ódio verdadeiro” era “a página mal escrita, como pessoa própria, a sintaxe errada, como gente em que se bata”. Pessoa, aí já em outra personalidade poética, também disse que o Tejo não era mais bonito que o rio que corria na sua aldeia pela simples razão de que o Tejo… não era o rio que corria na sua aldeia. Tolstói recomendava: “Se querer ser universal, canta a tua aldeia”.
Alguns bobos acham que pego no pé de Aécio porque sou paulista, e ele, mineiro… É mesmo, é? Tanto não pego que estou demonstrando que essa idéia de que a pátria possa ser a aldeia tem nobreza literária.
Bem, em seguida, Aécio negou que possa se candidatar a vice nos seguintes termos: “Enquanto essas convicções não se alterarem, seguirei o meu próprio rumo. Se for convencido do contrário, isso pode ser avaliado”. Vale dizer: ele diz “não”, mas pode ser convencido. Que argumento seria forte o bastante? Ninguém sabe. Um razoável parece ser aquele, pensando na eventual vitória do PSDB, segundo o qual seria bastante auspicioso à oposição a união de boa parte do eleitorado de São Paulo e Minas.
De todo modo, Aécio convocou, na solenidade de hoje, a “entidade” Minas a agir como ordem unida. Ela vai? Se estiver sob a sua liderança, e sendo Aécio homem de partido, ele deve lutar pela vitória de Serra, certo?, pouco importa o cargo que dispute. Certamente haverá condições de avaliar a veracidade destas palavras: “Quando ele assumir candidatura, eu serei o primeiro a ficar ao seu lado. O meu papel é como candidato em Minas Gerais, possivelmente ao Senado”.
Alguns tucanos vêem com apreensão e até certa dramaticidade essa história de Aécio ser vice. É claro que seria uma coisa e tanto para a oposição. A esta altura, no entanto, só uma consideração me parece virtuosa para o partido:
- o ideal seria que Aécio aceitasse ser vice tão logo Serra lance a sua candidatura porque isso ajudaria a construir a alternativa. Mas ele não quer;
- se e quando quiser, está claro que será vice: bastará expressar o desejo;
- é preciso virar esta página - e só voltar a ela se Aécio tomar a iniciativa - e cuidar do principal: a candidatura à Presidência.
Quanto ao mais, eu digo: Minas jamais governará o Brasil!!! Nem São Paulo!!! Nem o Piauí!!! Assim como Arkansas nunca governou os EUA. Nem o Texas. Nem Illinois. A tarefa, lá como cá, era grandeza demais para um estado só.
Mãos à obra, tucanada!
Quanto a esse negócio de nacionalismo, regionalismo e sentimentos afins, escolho as palavras de um mineiro universal, Carlos Drummond de Andrade:
Eu também já fui brasileiro
moreno como vocês.
Ponteei viola, guiei forde
e aprendi na mesa dos bares
que o nacionalismo é uma virtude.
Mas há uma hora em que os bares se fecham
e todas as virtudes se negam.
Eu também já fui poeta.
Bastava olhar para mulher,
pensava logo nas estrelas
e outros substantivos celestes.
Mas eram tantas, o céu tamanho,
minha poesia perturbou-se.
Eu também já tive meu ritmo.
Fazia isso, dizia aquilo.
E meus amigos me queriam,
meus inimigos me odiavam.
Eu irônico deslizava
satisfeito de ter meu ritmo.
Mas acabei confundindo tudo.
Hoje não deslizo mais não,
não sou irônico mais não,
não tenho ritmo mais não.
Gosto tanto de Minas que trato uma coisa assim do modo mais elevado que consigo. E Drummond sempre honrará o Brasil. E não honra só o Brasil, não! Honra Minas também!
Post do Blog do Reinaldo Azevedo
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