Texto do jornalísta Mauro Chaves de 10 de outubro de 2009, ele faleceu ontem:
Mauro Chaves - O Estadao de S.Paulo
Uns dirão que o que falta à sociedade brasileira é educação. Outros, que é a igualdade de oportunidades. Para alguns, será a Justiça, o rigor das leis ou a punibilidade. Outros ainda acharão que é o respeito à pessoa humana o que mais falta - e todos terão razão em apontar essas e outras mazelas nossas, velhas e novas. Mas por sobre os nossos males crônicos parece haver uma doença aguda, que se dissemina como endemia no solo da Pátria amada salve, salve. E é ela que gera a mordaça interna - pior que a parva censura - que impede de se falar da ridícula tentativa de criar uma onda ufanista num país que, com todas as suas riquezas naturais e seu potencial humano, ainda ocupa no mundo as seguintes posições.
O constrangedor 75º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), a deprimente 81ª colocação no índice de expectativa de vida, o recorde mundial de mortes em acidentes de trânsito - que beira a espantosa produção de 40 mil cadáveres anuais - e a estonteante taxa anual de homicídios intencionais (25,7 mortes por cada 100 mil habitantes (enquanto nos EUA é de 5,8; na Argentina, 5,2; na Palestina, 4; na Índia, 3,4; na China, 2,3; na Inglaterra, 2; no Chile, 1,9; em Israel, 1,8; na França, 1,5; na Itália 1,2; na Espanha, 1,1; na Alemanha, 0,98; e no Japão, 0,68). Sobre estas e outras vitrinas escancaradas do subdesenvolvimento nacional são jogados efeitos especiais vaporosos - antes etanólicos, agora pré-sálicos e olímpicos - para desviar a atenção do distinto público dos problemas que não se tem a coragem de enfrentar.
Há uma generalizada e contagiante falta de coragem que, no fundo, tem sido a causa maior da permanência de todos os índices sociais indecentes do País, por mais que a propaganda oficial tente disfarçá-los. Há falta de coragem para defender o interesse público quando este se choca com regalias corporativas. A coragem se evapora ante quaisquer ameaças de represália - como se todos estivessem repletos de culpas secretas. E no Brasil de hoje só o que se vê, nas pessoas públicas, são recuos, voltas atrás, desmentidos - de afirmações feitas aos quatro ventos -, retiradas de assinaturas em compromissos firmados (tornando-se merreca o valor do nome assinado), humilhantes beija-mãos de pseudoindependentes, a prática contumaz do "dito pelo não dito", a crítica mordaz que se transforma em eufórica bajulação e demais exibições de frouxidão explícita nos mais diversos campos e cantos da Nação.
O Senado da República tem a obrigação constitucional e moral de interrogar, com profundidade crítica e conhecimento jurídico - se não acumulado, pelo menos pesquisado ad hoc -, o notório saber e a reputação ilibada de quem quer que pretenda assumir o trabalho jurisdicional da mais elevada Corte de Justiça do País. Mas da última vez que o fez demonstrou apenas uma clamorosa pusilanimidade (afora a crônica subserviência ao Planalto), aprovando por larga margem quem não produziu obra jurídica alguma, já teve condenações judiciais e, pelos interesses partidários que defendeu, terá de se declarar impedido em tantos julgamentos que sobrecarregará ainda mais o trabalho da Suprema Corte. É claro que faltou coragem de questionar quem, pela idade, ficará muitas décadas lá em cima - já que o medo da eventual represália é a mola propulsora da complacência nacional.
E o que dizer dos deputados que, ao retirarem suas assinaturas do pedido de CPI para investigar os repasses de verbas públicas ao MST, acabaram abortando aquela investigação (mesmo que ressuscitem o pedido em razão de novas violências emessetistas)? Certamente eles não recuaram por medo do movimento Intelectuais Pela Impunidade (IPI), que levou ao Congresso um manifesto-panfleto com a mais moderna redação dos anos 50, mas sim por simples medo do Planalto e seu incontestável poder de ofertar ou retirar prebendas. E sobre o senador que ameaçou renunciar à liderança de seu partido por ter tido suas convicções éticas contrariadas? Bastou uma conversinha planaltina para amaciá-lo de vez, levando-o a fazer fumaça de sua ameaça e protagonizar um dos beija-mãos mais nauseantes da História da República.
Nesta página já escrevi que, por muitos que tenham sido nossos vícios de formação histórica, que nos levaram a ficar muito atrás de sociedades com as quais emparelhávamos ainda nos primórdios do Império, na identidade nacional brasileira jamais prevalecera o traço da covardia. Ao contrário, episódios da Independência, da Revolução Farroupilha, dos 18 do Forte de Copacabana e, sobretudo, da Revolução Constitucionalista de 32 - para mencionar só alguns , independentemente de se concordar ou não com seus princípios, valores e ideais - foram demonstrações exuberantes de imensa coragem, cívica e física. E também reproduzo trecho de artigo aqui publicado há dois anos (15/9/2007), sobre episódio que já parece totalmente absorvido por nossa indômita mídia: "No degradante, humilhante e desmoralizante espetáculo "secreto" ocorrido no plenário do Senado da República, quando ficou patente a abjeta complacência corporativa em relação às bandalheiras praticadas em nosso espaço público-político, por sobre a ausência de valores, o vazio de princípios e a frouxidão de caráter dos que capitularam em sua função de defender os interesses coletivos, ressaltou o triunfo resplandecente da covardia."
Mas há uma grande exceção nesse ambiente de frouxidão geral. Os bandidos, sejam grandes ou pequenos, estão mais corajosos do que nunca, nem se preocupando mais em esconder o rosto. Ora, que escondam o rosto os otários que ainda conseguem se envergonhar.
Mauro Chaves é jornalista, advogado, escritor, administrador de empresas e pintor E-mail: mauro.chaves@attglobal.net (www.artestudiomaurochaves.wordpress.com)
Mauro Chaves - O Estadao de S.Paulo
Uns dirão que o que falta à sociedade brasileira é educação. Outros, que é a igualdade de oportunidades. Para alguns, será a Justiça, o rigor das leis ou a punibilidade. Outros ainda acharão que é o respeito à pessoa humana o que mais falta - e todos terão razão em apontar essas e outras mazelas nossas, velhas e novas. Mas por sobre os nossos males crônicos parece haver uma doença aguda, que se dissemina como endemia no solo da Pátria amada salve, salve. E é ela que gera a mordaça interna - pior que a parva censura - que impede de se falar da ridícula tentativa de criar uma onda ufanista num país que, com todas as suas riquezas naturais e seu potencial humano, ainda ocupa no mundo as seguintes posições.
O constrangedor 75º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), a deprimente 81ª colocação no índice de expectativa de vida, o recorde mundial de mortes em acidentes de trânsito - que beira a espantosa produção de 40 mil cadáveres anuais - e a estonteante taxa anual de homicídios intencionais (25,7 mortes por cada 100 mil habitantes (enquanto nos EUA é de 5,8; na Argentina, 5,2; na Palestina, 4; na Índia, 3,4; na China, 2,3; na Inglaterra, 2; no Chile, 1,9; em Israel, 1,8; na França, 1,5; na Itália 1,2; na Espanha, 1,1; na Alemanha, 0,98; e no Japão, 0,68). Sobre estas e outras vitrinas escancaradas do subdesenvolvimento nacional são jogados efeitos especiais vaporosos - antes etanólicos, agora pré-sálicos e olímpicos - para desviar a atenção do distinto público dos problemas que não se tem a coragem de enfrentar.
Há uma generalizada e contagiante falta de coragem que, no fundo, tem sido a causa maior da permanência de todos os índices sociais indecentes do País, por mais que a propaganda oficial tente disfarçá-los. Há falta de coragem para defender o interesse público quando este se choca com regalias corporativas. A coragem se evapora ante quaisquer ameaças de represália - como se todos estivessem repletos de culpas secretas. E no Brasil de hoje só o que se vê, nas pessoas públicas, são recuos, voltas atrás, desmentidos - de afirmações feitas aos quatro ventos -, retiradas de assinaturas em compromissos firmados (tornando-se merreca o valor do nome assinado), humilhantes beija-mãos de pseudoindependentes, a prática contumaz do "dito pelo não dito", a crítica mordaz que se transforma em eufórica bajulação e demais exibições de frouxidão explícita nos mais diversos campos e cantos da Nação.
O Senado da República tem a obrigação constitucional e moral de interrogar, com profundidade crítica e conhecimento jurídico - se não acumulado, pelo menos pesquisado ad hoc -, o notório saber e a reputação ilibada de quem quer que pretenda assumir o trabalho jurisdicional da mais elevada Corte de Justiça do País. Mas da última vez que o fez demonstrou apenas uma clamorosa pusilanimidade (afora a crônica subserviência ao Planalto), aprovando por larga margem quem não produziu obra jurídica alguma, já teve condenações judiciais e, pelos interesses partidários que defendeu, terá de se declarar impedido em tantos julgamentos que sobrecarregará ainda mais o trabalho da Suprema Corte. É claro que faltou coragem de questionar quem, pela idade, ficará muitas décadas lá em cima - já que o medo da eventual represália é a mola propulsora da complacência nacional.
E o que dizer dos deputados que, ao retirarem suas assinaturas do pedido de CPI para investigar os repasses de verbas públicas ao MST, acabaram abortando aquela investigação (mesmo que ressuscitem o pedido em razão de novas violências emessetistas)? Certamente eles não recuaram por medo do movimento Intelectuais Pela Impunidade (IPI), que levou ao Congresso um manifesto-panfleto com a mais moderna redação dos anos 50, mas sim por simples medo do Planalto e seu incontestável poder de ofertar ou retirar prebendas. E sobre o senador que ameaçou renunciar à liderança de seu partido por ter tido suas convicções éticas contrariadas? Bastou uma conversinha planaltina para amaciá-lo de vez, levando-o a fazer fumaça de sua ameaça e protagonizar um dos beija-mãos mais nauseantes da História da República.
Nesta página já escrevi que, por muitos que tenham sido nossos vícios de formação histórica, que nos levaram a ficar muito atrás de sociedades com as quais emparelhávamos ainda nos primórdios do Império, na identidade nacional brasileira jamais prevalecera o traço da covardia. Ao contrário, episódios da Independência, da Revolução Farroupilha, dos 18 do Forte de Copacabana e, sobretudo, da Revolução Constitucionalista de 32 - para mencionar só alguns , independentemente de se concordar ou não com seus princípios, valores e ideais - foram demonstrações exuberantes de imensa coragem, cívica e física. E também reproduzo trecho de artigo aqui publicado há dois anos (15/9/2007), sobre episódio que já parece totalmente absorvido por nossa indômita mídia: "No degradante, humilhante e desmoralizante espetáculo "secreto" ocorrido no plenário do Senado da República, quando ficou patente a abjeta complacência corporativa em relação às bandalheiras praticadas em nosso espaço público-político, por sobre a ausência de valores, o vazio de princípios e a frouxidão de caráter dos que capitularam em sua função de defender os interesses coletivos, ressaltou o triunfo resplandecente da covardia."
Mas há uma grande exceção nesse ambiente de frouxidão geral. Os bandidos, sejam grandes ou pequenos, estão mais corajosos do que nunca, nem se preocupando mais em esconder o rosto. Ora, que escondam o rosto os otários que ainda conseguem se envergonhar.
Mauro Chaves é jornalista, advogado, escritor, administrador de empresas e pintor E-mail: mauro.chaves@attglobal.net (www.artestudiomaurochaves.wordpress.com)
Nenhum comentário:
Postar um comentário