A senadora Kátia Abreu (TO) entrega nesta terça-feira, 5, sua carta de desfiliação do DEM, onde era uma das principais lideranças nacionais, para aderir ao projeto do PSD - o Partido Social Democrático, lançado pelo prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab. A migração para a nova legenda será oficializada na quarta, em discurso no plenário do Senado.
A filiação ocorre em meio ao descrédito provocado pelo anúncio de fusão com o PSB, ideia que não vingou, e a leitura de que a nova sigla será linha auxiliar do governo. Ela garante que a fusão com o PSB jamais existiu como proposta séria e que o PSD será de oposição, mas afirma: "Oposição não é empresa de demolição: não precisa de adjetivos, mas de caráter".
Por que deixar o DEM?
Em busca de uma tribuna mais eficaz para defender meu ideário. O DEM cumpriu missão histórica admirável, viabilizando a transição democrática com Tancredo Neves e José Sarney, e garantindo a estabilidade dos três governos seguintes. Mas vive momento de turbulência interna. Deixo o partido, mas não mudo minha identidade: as ideias e objetivos são os mesmos.
Se é assim por que não foi possível uma solução interna?
O convívio partidário é como um casamento. Quando o desgaste ultrapassa determinado ponto, em que a confiança é atingida, não adianta insistir. O DEM não pratica internamente a democracia que prega externamente. Se mostra constrangido em assumir o ideário liberal.
O PSD surge num contexto que já abriga 27 legendas. Não há partidos demais?
Não é questão de quantidade, mas de qualidade. A maioria dos partidos brasileiros não pratica a democracia interna, nem exerce interlocução com a sociedade. A democracia precisa começar dentro dos partidos, e isso não ocorre. O quadro partidário brasileiro passará inevitavelmente por um rearranjo. O PSD apenas deu a partida. Outras siglas surgirão, outras desaparecerão. É questão de tempo.
Mas o PSD já nasceu provisório, anunciando fusão com o PSB.
O PSD nasce com ânimo definitivo, para ocupar um espaço que precisa ser preenchido no cenário partidário nacional: os ideais da economia de mercado e do Estado democrático de Direito. Será o partido da classe média, que se expandiu continuamente desde o Plano Real e hoje reúne mais de 100 milhões de brasileiros que não estão representados no espectro político-partidário.
Por que o PSD desistiu da fusão com o PSB?
Não houve desistência porque não houve essa decisão. A ideia de fusão foi apenas uma hipótese inicialmente colocada, em ambiente de tempestade de ideias, em decorrência das dificuldades operacionais de se criar uma nova legenda. Mas, na medida em que se aprofundou a discussão, foi posta de lado. Eu mesma jamais pensei em ingressar num partido cujo ideário é bem distinto do meu.
Então será um partido de centro-direita?
Essa nomenclatura está inteiramente ultrapassada. O PSD não vem estabelecer um duelo ideológico, esquerda versus direita. Não vem lutar contra, mas a favor - não do governo, mas do País. Essa classificação é falsa, anacrônica. Basta lembrar que o PT, que se define como de esquerda, aliou-se ao Partido Liberal, que estaria à direita, para eleger Lula e José Alencar em 2002. O PL depois mudou de nome, mas não significa que tenha mudado seu DNA.
O prefeito Kassab se definiu como um político "de centro, com uma leve tendência para a esquerda". E a sra.?
Kassab, ao mencionar essa tendência à esquerda, quis enfatizar sua preocupação com o social, não estabelecer um vínculo ideológico. Ele é um homem da economia de mercado, que sabe dos benefícios sociais que ela gera onde é de fato praticada. Esse é um mito que precisa ser desfeito: o de que a preocupação com o social é monopólio dos socialistas, da esquerda. Não é.
Mas seu vínculo com o agronegócio é frequentemente interpretado como uma contradição com o discurso social.
Essa é mais uma falácia dos que querem atribuir aos socialistas o monopólio do bem e vilanizar seus adversários. Os produtores rurais, que tenho a honra de representar, são muito mais eficazes na erradicação da pobreza que os seus críticos. São responsáveis pela produção da melhor e mais barata comida do mundo, gerando emprego e renda, no campo e na cidade. Hoje, há uma forte classe média rural, que antes não existia. E não foi criada pelo Estado, mas pela economia de mercado. Até há duas décadas, o Brasil importava alimentos. Hoje, é um dos maiores exportadores do mundo, garantindo superávits sucessivos na balança comercial.
Outra leitura feita é a de que o partido será uma linha auxiliar do governo.
Faremos oposição, mas não como um fim em si mesmo. Oposição não é empresa de demolição. Quem assim pensava e agia era o PT. Oposição é parte da ação governativa. O eleitor, ao eleger os governantes, elege também quem os fiscalizará. Não se trata só de disputar o poder, mas de oferecer ao eleitor um norte, um caminho para o País.
Numa linha "oposição generosa", como alguns propuseram?
Oposição não precisa de adjetivos, mas de caráter. É preciso que haja compromisso com princípios e metas. Quando o governo estiver em consonância com nosso programa, terá nosso apoio. Quando não estiver, não terá. Ter caráter é ser, acima de tudo, fiel a si mesmo e aos seus próprios princípios. Por essa razão, ao mesmo tempo em que votei pelo salário mínimo de R$ 545, votei contra uma medida provisória que capitalizava o BNDES. Em ambos os casos, fui fiel ao princípio da responsabilidade fiscal, com o qual estou comprometida.
Como fica a relação com o PSDB, parceiro histórico do DEM? Com Serra ou com Aécio?
Manteremos a interlocução, com certeza. Construímos uma etapa fundamental da história contemporânea do Brasil, que foram os dois governos de FHC. Mas não seremos satélite de ninguém.
Como avalia uma oposição debilitada como a atual?
O risco é desmoralizar a atividade política e favorecer a chamada democracia direta, como na Venezuela chavista, que opera por plebiscitos.
Diz-se que uma das condições de seu ingresso no PSD foi a garantia de presidi-lo.
O PSD não terá dono. A decisão é das bases do partido. Queremos um partido que tenha nas prévias um instrumento para as decisões.
Entrevista concedida a João Bosco Rabello, de O Estado de S. Paulo
Entrevista concedida a João Bosco Rabello, de O Estado de S. Paulo
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