O químico Rochel Lago ficou 15 anos mergulhado em pesquisas acadêmicas até procurar uma empresa de tratamento de efluentes, em Sete Lagoas, em Minas Gerais, para tentar vender uma tecnologia que ele estava patenteando. O ano era 2002. Aos 35 anos de idade, Rochel, como é conhecido, já era professor da Universidade Federal de Minas Gerais desde 1996. Antes, tinha feito doutorado na Universidade de Oxford, no Reino Unido, além de especializações na Espanha e no Japão. Enquanto contava aos donos da empresa sobre como seu absorvente para remoção de contaminantes da água tinha tudo para ser "a salvação de vários problemas ambientais do mundo", ele passava a impressão de que era um lunático. Na conversa, foi massacrado por perguntas básicas de negócios, como quem seria seu público-alvo e que economia sua tecnologia iria gerar. O pesquisador ficou atônito. "A coisa toda foi muito frustrante", diz Rochel. "Eu não sabia falar a língua dos empresários." Rochel poderia ter voltado para o laboratório e esquecido a ideia de dar aplicação comercial a suas pesquisas. Mas fez justamente o contrário. Nos dois anos seguintes, o químico cursou um MBA em gestão estratégica de negócios na própria UFMG. E, em 2005, foi para a escola canadense de gestão HEC Montreal fazer um pós-doutorado em criação de empresas de base tecnológica. "Alguns colegas acharam que eu só ia passear em Montreal. Outros, que era suicídio acadêmico, porque ia me afastar da química", afirma. Resultados: Rochel voltou e assumiu a presidência da incubadora de empresas da UFMG, premiada como a melhor do Brasil dois anos depois. Em seguida, fundou a Verti Ecotecnologias, empresa que tenta dar escala às mais de 20 invenções que ele e seus alunos desenvolveram nos laboratórios da universidade ao longo dos anos. Algumas dessas tecnologias resultaram em prêmios, como o Global Startup Workshop, do Massachusetts Institute of Technology, em 2012, e outros dois da Universidade do Texas, em 2010 e 2011. O prêmio do MIT foi para o supressor de poeira, que usa a glicerina que sobra de usinas de biodiesel para criar uma substância que acaba com a poeira que sai do minério de ferro enquanto ele é transportado. Essa poeira é um forte poluidor do ar e acarreta perda de até 5% do minério transportado pela mineradora Vale, ao custo de 500 milhões de dólares por ano. A própria Vale testou e aprovou a tecnologia. Agora uma empresa química analisa licenciá-la. Por essas e outras, a Verti atraiu a atenção da empresa de engenharia Promon. Em 2011, a Promon comprou o controle da Verti - hoje detém 52% do capital, Rochel tem 25%, e outros sócios, 23%. "Nós nos interessamos especialmente pela capacidade de pesquisa de soluções práticas do time de Rochel", diz Ivo Godoi Júnior, diretor-executivo da Promon.
A melhor notícia é que o ímpeto inovador e empreendedor de Rochel não é uma exceção na UFMG. Das 17 empresas que estão no novo prédio do parque tecnológico da universidade, em Belo Horizonte, nove nasceram de projetos de pesquisa no campus. Entre as federais, ela já é a que mais faz pedidos de patentes no Instituto Nacional de Propriedade Intelectual. Só a Universidade de São Paulo, que é estadual e duas vezes maior, fez mais pedidos do que a UFMG em 2012 (79 ante 76). No ranking 2012 do instituto de pesquisa Datafolha sobre as melhores universidades do país, com avaliação de qualidade de ensino e inovação, a instituição mineira só está atrás da USP. A parcela de cursos de pós-graduação da UFMG com notas 6 e 7, as máximas conferidas pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior do Ministério da Educação, é uma das maiores do Brasil. Tais notas indicam inserção internacional relevante. E as áreas de excelência são diversas - com nota máxima estão física, estudos literários, computação e medicina. Têm nota 6 estudos do meio ambiente, engenharia elétrica, microbiologia e matemática.
CABEÇAS ADEQUADAS
Essa profusão de aptidões chamou a atenção da Boeing. A fabricante americana de aviões buscava estudiosos brasileiros que pudessem ajudar num projeto de pesquisa de materiais oriundos de biomassa - o objetivo era dar um quê ecológico às aeronaves e, de quebra, baratear as peças. Procurou nas principais universidades brasileiras gente com competência em três áreas: resinas de origem biológica, nanotec-nologia aplicada a materiais e aerodesign. Achou os três na UFMG. Um deles é o pesquisador Antônio Ávila, que estudou como fazer sensores para a detecção de danos em mísseis da Força Aérea americana. O trio de cientistas brasileiros pode ser o embrião de um futuro centro de pesquisa da empresa americana no parque tecnológico. "O ambiente na UFMG é muito positivo porque o foco de boa parte das pesquisas é a aplicação prática, algo raro entre as universidades daqui", diz Antonini Macedo, diretor de pesquisa da Boeing no Brasil. A competência em engenharia aeronáutica é tradicional. A Embraer não confirma, mas a UFMG tem fama de que só não põe mais engenheiros na empresa do que o Instituto Tecnológico de Aeronáutica, de São José dos Campos, em São Paulo. No centro de pesquisa que a Embraer montou em Belo Horizonte, mais de 50% dos engenheiros são da Federal de Minas. "Costumamos encontrar cabeças adequadas ao nosso negócio em maior número na UFMG do que em outras universidades", diz Mário Lott, geren-te-geral do Centro de Engenharia e Tecnologia da Embraer em Minas Gerais, inaugurado em outubro de 2012. A Fiat é outra frequentadora assídua dos corredores da universidade. A acústica de carros como o Novo Uno e o Punto melhorou com um método de medição do impacto de ruídos desenvolvido por um grupo multidisciplinar da UFMG, com um engenheiro, um fonoaudiólogo e um psicólogo. Ao todo, a universidade mantém 54 convênios de pesquisa com empresas.
A interação de diferentes áreas acadêmicas é estimulada. O Centro de Microscopia, inaugurado em 2006 - e hoje considerado um dos mais modernos do país -, é usado pelos mais diversos pesquisadores, da engenharia metalúrgica à biologia, além de empresas. Essa foi uma exigência da reitoria para gerar interação. O apoio ao pedido de patentes também é institucional. O Centro de Transferência e Inovação Tecnológica da universidade tem 48 profissionais para redigir textos de patentes e correr atrás do licenciamento de tecnologias. Na Universidade Federal do Rio de Janeiro, o grupo é de 13 pessoas. Com isso, a UFMG fez três vezes mais pedidos de patente do que a UFRJ no ano passado. Isso também tem a ver com dinheiro. Entre as federais, a UFMG tem a vantagem de ter à disposição uma fundação estadual de amparo à pesquisa muito ativa: a Fapemig põe ali 120 milhões de reais por ano. O valor absoluto é menor do que o recebido pelas universidades paulistas, como a USP. Mas, pelo tamanho (32 000 alunos de graduação e 15 000 na pós), a UFMG conta com investimento por pesquisador 10% maior. Outra obsessão é a internacionalização. No programa Santander Universidades, que apoia a educação superior no Brasil, os pedidos da UFMG são sempre por bolsas fora do país e condições para levar pesquisadores a universidades estrangeiras de ponta. "Os três últimos reitores focaram na internacionalização de professores e alunos e na qualidade da pesquisa. Essa continuidade é determinante para construir uma boa universidade", diz Jamil Hannouche, presidente do Santander Universidades. "Mas só vamos amadurecer a internacionalização quando virarmos destino", afirma Clélio Campolina, reitor da UFMG. "Isso ainda está longe." O lugar atual é na rabeira da lista das 400 melhores universidades do mundo - revelando a defasagem do ensino superior no Brasil. O sonho de Campolina é que sua universidade seja uma das 100 melhores do planeta em 20 anos. O de Rochel é que o empreendedorismo se difunda entre os pesquisadores de lá. Ele já escreveu um livro sobre o assunto e, recentemente, conseguiu incluir disciplinas sobre a criação de empresas de base tecnológica em cursos de química e engenharia. Uma academia sem preconceito com os negócios - eis uma sabedoria que Minas no futuro talvez possa difundir no país.
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